Fratura e Pseudo-Artrose do Escafoide
Como é a Anatomia do Punho?
O punho é uma articulação complexa formada pelos ossos do antebraço (rádio e ulna) que articulam com oito pequenos ossos do carpo. Eles estão dispostos em duas fileiras, sendo a primeira formada pelo Escafoide, Semilunar, Piramidal e Pisiforme, e a segunda pelo Trapézio, Trapezóide, Capitato e Hamato. Todos eles são fortemente unidos por ligamentos que ajudam a manter a estabilidade e permitem a movimentação.
O escafoide, que se localiza na base do polegar, é considerado o osso mais importante do carpo. É ele que une as duas fileiras e que controla a mobilidade e a força do punho.
Como Ocorre a Fratura de Escafoide?
Sempre que há uma queda, instintivamente se utiliza a mão como proteção. Dependendo do posicionamento do punho e da mão no momento do trauma, várias lesões podem ocorrer, como fratura distal do rádio (a mais comum), lesões ligamentares e também fratura do escafoide. O mecanismo mais comum para que ocorra a fratura de escafoide é a queda ao solo com o punho em extensão e mão espalmada.
A fratura do escafoide ocorre com mais frequência nos homens adultos jovens (de 20 à 30 anos de idade), geralmente ao praticar esporte. Já a fratura distal do rádio é mais comum em senhoras após a menopausa. Estudos recentes mostram uma diminuição no risco de fratura de escafoide com o uso de talas de proteção ao praticar esportes de risco, como skate ou esqui.
Como se Diagnostica a Fratura de Escafoide?
O primeiro sinal de fratura é clínico baseado no exame do paciente. Ele apresentará dor e inchaço no punho, na base do polegar.
Sempre que houver suspeita se faz uma radiografia. Devido a algumas particularidades anatômicas do escafoide, muitas vezes a radiografia inicial é normal, mesmo o paciente apresentando fratura. Isso porque não é possível ver a linha de fratura nas radiografias, pois a maioria das fraturas são não deslocadas. Além do mais, o escafóide apresenta uma firme camada de cartilagem que recobre toda a sua superfície, dificultando ainda mais o diagnóstico.
Classicamente, sempre que se tem suspeita clínica de fratura, deve-se tratar como tal. Então se coloca uma tala gessada e se repete as radiografias em 7 dias. Após esse período, se houver fratura, ela será visível.
Com a evolução dos exames de imagem, pode-se antecipar esse período de espera. Tanto a tomografia computadorizada, quanto a ressonância magnética já podem mostrar a fratura nas primeiras horas após o trauma. Assim, sempre que houver indicação, será realizado um desses exames para comprovar mais cedo o diagnóstico.
Inicialmente a dor da fratura do escafóide pode não ser severa, ou piorar só ao fazer força ou segurar um objeto. Além disso, a maioria das fraturas do escafóide não causam deformidade. Com isso muitos pacientes não procuram o atendimento após o trauma, pensando se tratar de um simples entorse. Por isso, sempre que houver uma queda com trauma no punho e a dor não passar em 24 horas, deve-se procurar atendimento médico especializado.
Como É o Tratamento da Fratura de Escafóide?
Algumas particularidades da anatomia do escafóide fazem com que o tratamento seja diferente dos outros ossos do esqueleto.
Primeiramente, ele não está conectado a nenhum tendão ou músculo. Além disso quase 90% da sua superfície é coberta por cartilagem. Essa cartilagem é nutrida e lubrificada pelo líquido sinovial. Como ele fica praticamente “submerso” nesse líquido, a sua consolidação é mais demorada.
A anatomia vascular do escafóide também é diferente dos outros ossos. A maior parte da vascularização ocorre de maneira retrógrada, vindo de trás para frente, o que diminui a quantidade e a pressão do sangue recebido, dificultando a consolidação. Assim, quanto mais proximal, ou seja, quanto mais próximo do rádio, menos sangue chega ao local da fratura, dificultando a cicatrização. Devido a isso, o escafóide é um dos ossos do corpo humano que mais demora para consolidar. Classicamente a fratura de escafóide é tratada com gesso (tratamento conservador) e a média de imobilização é de 3 meses. Numa primeira fase se usa o gesso alto, com bloqueio do cotovelo e, no período final, uma luva. O tempo e o tipo de imobilização depende do tipo de fratura e de características específicas do paciente, como idade, profissão e problemas clínicos associados.
Como é a Cirurgia?
As fraturas deslocadas do escafoide (afastamento maior que 1 milímetro), as fraturas associadas a lesão ligamentar ou a luxação do punho e as fraturas do 1/5 proximal têm indicação cirúrgica.
Nos últimos anos tem se tornando comum o tratamento cirúrgico para as fraturas não deslocadas do escafóide. Pacientes que não têm disponibilidade para ficar imobilizado com gesso por um longo período, como profissionais liberais ou atletas de elite, acabam optando pela cirurgia a fim de poder voltar as suas atividades num menor tempo.
A técnica utilizada para a fixação de fraturas agudas é chamada de percutânea. Nela se faz a fixação da fratura com um parafuso que é inserido e guiado pelo intensificador de imagem (radiografia contínua). É feita uma minúscula abertura só para a inserção de um parafuso metálico de compressão, que fará a fixação e estabilização do escafóide fraturado. Esse parafuso tem a propriedade de manter estabilidade óssea, além de comprimir os dois fragmentos da fratura, estimulando a consolidação. O parafuso fica totalmente interno no escafóide, não podendo ser palpado externamente. Na grande maioria das vezes não é necessária uma segunda cirurgia para retirá-lo. A taxa de complicações é semelhante aos pacientes tratados com gesso, porém o tempo de tratamento é menor.
Quando a fratura do escafoide está associada a lesão ligamentar ou luxação do punho, ela deve ser fixada do modo aberto, para se ter certeza do correto posicionamento dos ossos e suturar os ligamentos. Havendo fratura com mais de dois fragmentos, pode estar indicado o uso enxerto ósseo. É um osso retirado de outro local, que é colocado ao redor da fratura, tendo a função de estimular a consolidação e aumentar a estabilidade.
Quais as possíveis complicações da fratura do escafoide?
A complicação mais frequente é a não consolidação. Essa falha é chamada de pseudo-artrose, ou seja, falsa articulação. Conceitualmente uma fratura só transforma em pseudoartrose após 4 meses de evolução. O diagnóstico é feito através de radiografias e tomografia computadorizada, além do paciente ainda apresentar dor no local da fratura. Antes desse período, a não consolidação é chamada de retardo de consolidação.
Outra complicação que pode acontecer nas fraturas do escafóide é a necrose óssea, que é a morte tecidual por falta de sangue. Isso ocorre quando há um grande deslocamento dos fragmentos da fratura, causando ruptura dos vasos sanguíneos que o nutrem. Essa complicação é ainda mais grave e geralmente é tratada com enxerto ósseo vascularizado, ou seja, osso de outro local com sua própria vascularização.
Quando a fratura não consolida ou quando há necrose óssea, o uso do punho irá provocar e desgaste da cartilagem que recobre a articulação, causando dor e diminuição da mobilidade. Esse processo degenerativo é lento e irreversível, o que faz com que muitas vezes o paciente procure o médico em uma fase tardia.
Porque a Fratura não Consolida?
Não existe uma causa única para a fratura não consolidar. Isso ocorre devido às características da fratura. Fraturas proximais, multifragmentárias e instáveis, mesmo com um tratamento adequado tem um grande risco de não consolidar.
Porém o principal fator da não consolidação da fratura de escafóide é a falta de tratamento adequado. Frequentemente o paciente tem uma queda sobre o punho e não dá importância, não procurando atendimento médico. Em outras vezes procura um pronto atendimento e faz uma radiografia que não evidencia fratura. Isso faz com que o paciente não dê importância para a lesão. O punho permanece dolorido por algumas semanas, e aos poucos vai melhorando. Mas apesar da melhora da dor, há uma fratura que, pela falta de imobilização, não consolida.
Como é a Cirurgia para a Pseudoartrose de Escafóide?
Com o passar do tempo o local da fratura é preenchido por tecido cicatricial e há uma absorção do tecido ósseo. Para o tratamento da pseudoartrose sempre há indicação de cirurgia aberta. Deve-se retirar a fibrose e preencher o defeito ósseo criado, com material geralmente retirado da bacia. Assim se reconstrói a anatomia, com alinhamento e o comprimento normal do escafóide. Todo esse conjunto é então fixado por uma parafuso de compressão. Após a cirurgia é colocado um gesso e a consolidação demora entre 3 e 5 meses.
Nos casos em que há necrose avascular (?) de um dos fragmentos ósseos ou quando já foi realizada uma cirurgia para o tratamento da pseudoartrose e não houve bom resultado, está indicada técnica micro-cirúrgica com enxerto vascularizado. Nessa cirurgia o enxerto ósseo trás consigo os vasos sanguíneos que ajudarão a nutrição e a consolidação óssea. Essa cirurgia algumas vezes é indicada como primeira opção no tratamento da pseudoartrose do escafoide, ficando a sua escolha a critério do cirurgião.
Quais são os Objetivos da Cirurgia para a Pseudoartrose?
O principal objetivo da cirurgia é a melhora da dor. O segundo benefício da cirurgia, e por isso ela está indicada mesmo para os paciente que não tem dor, é evitar a degeneração do punho. Com a pseudo artrose do escafoide, uma articulação que trabalha em sincronia começa a funcionar com instabilidade, como um motor mal ajustado. Isso causa movimentos anômalos e gera um desgaste da cartilagem que recobre o protege os ossos.
Mesmo assim, nem sempre o paciente recupera toda a mobilidade após a cirurgia do escafóide. Geralmente, quando é realizada a cirurgia, já existe um grau de desgaste e degeneração do punho que não pode ser tratado. Isso faz com que a mobilidade melhore com a consolidação do escafoide e também diminua a dor. Porém não ficará igual a um punho normal.
Existe solução quando a degeneração está avançada?
São chamados de procedimentos de salvação. Eles são indicados quando não há mais a chance de reconstrução da anatomia normal do punho devido ao grau avançado de degeneração. São considerados procedimento de salvação as artrodeses do punho (fusões ósseas), que podem ser parciais ou total, a carpectomia proximal e a denervação do punho.
Deve ser feita fisioterapia após o Tratamento?
Tanto nos casos de tratamento conservador (com gesso) quanto nos casos operados, a fisioterapia só é indicada após a consolidação óssea. Nos pacientes submetidos a cirurgia a consolidação ocorre num menor tempo. A reabilitação é realizada por um fisioterapeuta capacitado e tem como objetivo a recuperação da força e da mobilidade.
Serão realizados exercícios para a recuperação da mobilidade de flexão e extensão articular e numa fase final, os movimentos de giro. Também são feitos exercícios de alongamento articular e tendíneo, uso de gelo e massagem local para diminuir o inchaço. Numa fase tardia serão feitos exercícios com ganho de força. O resultado final do tratamento é observado apenas com doze meses de evolução, sendo que o ganho de potência e mobilidade serão progressivos nesse período.